ESTABELECENDO DISTINÇÃO ENTRE “O VELHO CONSERVADORISMO LIBERAL” X “A NOVA
DIREITA REACIONÁRIA”

“SURGE A GRANDE DIFERENÇA ENTRE A PROPOSTA DO VELHO CONSERVADORISMO
LIBERAL E A ATUAL “AGITAÇÃO E PROPAGANDA” DA “NOVA DIREITA REACCIONÁRIA”.
AO CONTRÁRIO DESTA “NOVA DIREITA”, OS CONSERVADORES LIBERAIS NÃO QUEREM
QUE AS INSTITUIÇÕES ESTATAIS ADOPTEM A PROPAGANDA DOS SEUS MODOS DE VIDA
TRADICIONAIS NO LUGAR AGORA OCUPADO PELA PROPAGANDA DA ORTODOXIA POLITICAMENTE
CORRECTA.
OS CONSERVADORES LIBERAIS QUEREM BASICAMENTE (COMO SEMPRE BASICAMENTE
QUISERAM), QUE OS DEIXEM EM PAZ — the
right to be left alone, ou mind
your own business - COMO SE DIZIA NOS BONS VELHOS TEMPOS DE BURKE E
OAKESHOTT”.
Do
Site OBSERVADOR, Lisboa, Portugal.
RECORDANDO O VELHO CONSERVADORISMO LIBERAL
João Carlos
Espada
8/7/2019, 0:23
Os conservadores liberais não querem
que as instituições estatais adoptem a propaganda dos seus modos de vida
tradicionais no lugar agora ocupado pela propaganda da ortodoxia politicamente
correcta.
A excelente revista semanal
britânica The Economist acaba de publicar um magnífico estudo
e um Editorial sobre aquilo que designa (e é título da capa) “The global crisis in Conservatism”.
Pessoalmente, discordo do argumento em alguns aspectos relevantes; mas concordo
com muito do que é fundamental; e, sobretudo, o tema é absolutamente central no
panorama político e intelectual que vivemos actualmente. Merece por isso uma
demorada reflexão e conversação a várias vozes.
Pela minha parte, gostaria de começar
por aquilo que subscrevo. Antes de mais, e acima de tudo, concordo inteiramente
com — e saúdo — a referência central a Michael Oakeshott e Edmund Burke como
filósofos cruciais do conservadorismo liberal. Tenho aliás o gosto de registar
que a próxima conferência da académica “Michael Oakeshott Association”
terá lugar em Lisboa, de 19 a 21 de Setembro, no Instituto de Estudos Políticos
da Universidade Católica.
Creio também que The
Economist enumera correctamente algumas das principais características
do conservadorismo liberal de Burke e Oakeshott. E creio que as contrasta
certeiramente com algumas das preocupantes características de um novo tipo de
“conservadorismo” — que The Economist designa por “nova
direita reaccionária” — emergente na cena política euro-americana actual.
Também concordo que essas diferenças são em boa parte as mesmas que
distinguiram no passado o conservadorismo liberal anglo-americano do
reaccionarismo dogmático continental — um aspecto crucial basicamente ignorado
pelos agitadores da “nova direita”.
Creio ser verdade que, onde o velho
conservadorismo era pragmático, a “nova direita” é ideológica e dogmática.
Também me parece adequado dizer que, onde o velho conservadorismo era prudente
e céptico relativamente à mudança, a “nova direita” tende a adoptar uma
linguagem revolucionária. Onde o velho conservadorismo era enfático sobe a
importância do carácter e das boas maneiras, a “nova direita” prefere o carisma
e o culto do líder. Em tudo isto, concordo com The Economist.
Mas receio ter de observar que The
Economist esquece aquilo que Oakeshott designou como o aspecto crucial
da disposição conservadora liberal: a disposição para usufruir o presente,
sobretudo a disposição para usufruir um modo de vida que é de cada um, que não
foi desenhado, muito menos imposto, centralmente por ninguém.
É um modo de vida
que herdámos dos nossos antepassados e em que nos sentimos confortáveis. E que
certamente poderemos modificar gradualmente para tentar torná-lo mais
confortável (para nós e desejavelmente para os nossos descendentes). Mas,
precisamente devido a esta disposição crucial para usufruir e para evoluir
gradualmente, em caso algum o conservador liberal Oakeshottiano ou Burkeano
aceitará que o seu modo de vida seja centralmente re-desenhado por uma qualquer
autoridade central (sobretudo não eleita, mas com severos limites mesmo nas
eleitas).
Aqui chegamos a um ponto
absolutamente crucial que The Economistsimplesmente ignora: estamos
a assistir, nas democracias ocidentais, a uma ofensiva politicamente correcta
contra os modos de vida tradicionais e descentralizados de uma boa parte das
pessoas comuns, os “pequenos pelotões” de que falava Burke. Ao contrário do que
vocifera a “nova direita”, não creio que essa ofensiva seja centralmente
dirigida por uma conspiração das “elites”. Mas é seguramente permitida, quando
não activamente estimulada, por autoridades centrais, sobretudo não eleitas,
que multiplicam directivas sobre como as pessoas, as famílias, as escolas e
outras instituições da sociedade civil devem comportar-se “correctamente”.
Isto significa que, diferentemente do
que observa The Economist, existem razões conservadoras liberais
para o mal estar de sectores crescentes dos eleitorados europeus e americanos.
Só que os conservadores liberais não estão a saber dar voz a esse mal estar
(talvez estejam demasiado preocupados em serem reconhecidos pela dominante
ortodoxia politicamente correcta e pelos chamados Mainstream Media,
MSM). Esta é a razão pela qual os eleitorados se deslocam para a “nova direita
reaccionária” — que até há poucos anos era praticamente irrelevante. A isto
venho chamando, para retomar um conceito caro ao liberal anti-jacobino Ralf
Dahrendorf, a “dicotomia infeliz entre vanguardismo e populismo”.
Se este meu diagnóstico for ao menos
parcialmente pertinente, a solução conservadora liberal será bastante simples:
retomar a central preocupação de Burke e Oakeshott com a protecção dos modos de
vida descentralizados dos “pequenos pelotões”, que não querem ser centralmente
dirigidos. Nesta preocupação, uma grande área de entendimento pode ser
encontrada com a tradição liberal não-jacobina de John Stuart Mill e Walter
Bagehot (que foi director de The Economist) — desde que esta esteja
disponível para se libertar da tóxica dependência da ortodoxia politicamente
correcta.
E aqui surgirá também a grande
diferença entre a proposta do velho conservadorismo liberal e a actual
“agitação e propaganda” da “nova direita reaccionária”. Ao contrário desta
“nova direita”, os conservadores liberais não querem que as instituições
estatais adoptem a propaganda dos seus modos de vida tradicionais no lugar
agora ocupado pela propaganda da ortodoxia politicamente correcta. Os
conservadores liberais querem basicamente (como sempre basicamente quiseram),
que os deixem em paz — the right to be left alone, ou mind
your own business, como se dizia nos bons velhos tempos de Burke e
Oakeshott.
Trata-se, basicamente, de fazer
recuar a intromissão do Estado nas áreas que não lhe dizem respeito. Trata-se
de “libertar a sociedade civil”, para retomar uma expressão feliz — mas
infelizmente esquecida. Teremos de voltar a este assunto.
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